Devo consumir carboidratos durante os treinos?
- Pedro Rodrigues
- Jul 18, 2018
- 6 min read
Updated: Apr 1, 2020
Se você me acompanha há algum tempo ou é paciente meu, já deve saber que, quando nós falamos em nutrição esportiva, o objetivo principal SEMPRE deve ser a melhora da sua performance no esporte que você pratica. Quando falamos em performance, o ponto inicial é garantir o fornecimento adequado de energia tanto em quantidade quanto em qualidade.
Pensando em uma fase de treinamento onde a prioridade é o volume (leia-se treinos de grandes tempos de duração), principalmente em esportes de movimentos cíclicos, como corrida, remo, ciclismo, natação a demanda energética pode ser muito diferente de um atleta para outro por vários pontos.
VAMOS AOS PONTOS
Como já explicado no texto de vias metabólicas , quanto menor for a intensidade do seu treino, maior a prevalência de gordura como fonte principal de energia naquele momento. Por outro lado, quanto maior for a intensidade, maior a prevalência do carboidrato como fonte principal de energia.
Essa é uma regra que funciona bem quando tratamos individualmente de cada atleta. Agora se formos comparar atletas diferentes, talvez a resposta não seja tão simplista assim. Inclusive, antes que você dê continuidade neste texto, é fundamental que tenha algum conhecimento sobre VO2 máximo e limiar de lactato. Caso você não tenha ideia do que eu estou falando, aconselho você a parar tudo agora para ler um texto específico sobre esse tema que nós postamos aqui.
(link)
Para facilitar o seu entendimento sobre isso, vamos imaginar 2 atletas:
a) VO2máx = 65 ml/kg/min, Limiar de lactato = 75% do VO2máx
b) VO2máx = 64 ml/kg/min, Limiar de lactato = 55% do VO2máx
Interpretando estes dados, temos que o "Atleta a" possui capacidade máxima de utilização de oxigênio (VO2máx) similar a do "Atleta b". Por mais que a tendência inicial seja achar que o nível de preparo físico dos dois seja similar, não é bem assim que a coisa acontece. Isso se confirma quando olhamos para as taxas de limiar de lactato em relação ao VO2máx.
O limiar de lactato é o momento em que a produção de energia aeróbica (com utilização de oxigênio) já não suporta mais a carga de exercício sozinha e passa a ser auxiliada pela via anaeróbica (sem utilização de oxigênio). Traduzindo a grosso modo, é a partir do Limiar de Lactato que nosso corpo passa a consumir carboidratos através da via anaeróbica, tendo ácido como um dos produtos da sua utilização. Vale frisar que, quanto mais próximo o atleta estiver do seu ponto de consumo máximo de oxigênio, maior a produção de ácido, e maior também será o consumo de carboidratos. Além disso, quanto maior a presença de ácido na musculatura ou na corrente sanguínea, maior fadiga do atleta.
Trazendo esta informação para a prática
Suponha que nossos atletas estejam realizando um treino à 70% do VO2máx. Neste caso, o "Atleta a" ainda estará abaixo do seu Limiar de Lactato, ou seja, estará utilizando prioritariamente gordura como fonte de energia, tendo uma participação mínima de carboidratos e com uma produção quase nula de ácido na musculatura ativa.
Já o "Atleta b", por já estar acima do Limiar de Lactato, já passou a utilizar seu glicogênio muscular para se manter em atividade. Isso custou a ele uma produção considerável de ácido em sua musculatura ativa, o que será precedido de fadiga dentro de alguns instantes. Isso pode ocorrer pelo excesso de ácido ou pelo esgotamento de carboidrato disponível, diferente do "Atleta a" que continuará em exercício por muito mais tempo por estar no que eu chamo de ESTADO ECONÔMICO de produção energética.
O que é ESTADO ECONÔMICO de produção de energia??
A essa altura, você já percebeu que atletas mais bem preparados fisicamente possuem Limiares de Lactato mais próximos do ponto de VO2máx. Isso significa que seu sistema de remoção de ácidos, de lactato e principalmente de CO2 durante o exercício é muito eficiente. Da mesma forma, sua capacidade de utilizar gorduras como fonte de energia também é superior.
Se lembrarmos que nossos estoques de gordura costumam ser bem maiores do que os de carboidratos, e que cada grama de gordura fornece mais que o dobro de energia que um grama de carboidratos, não preciso nem dizer aonde está a economia disso tudo. É ter a capacidade de correr mais rápido causando um dano menor ao seu corpo em todos os sentidos.
Este atleta terá uma necessidade de consumir carboidratos bem menor quando comparado ao "Atleta b" quando os dois estiverem em um esforço correspondente à 70% da sua capacidade máxima.
"Entendi, mas então como saber se eu preciso ou não consumir carboidratos durante meus treinos??"
Saber qual é o seu limiar de lactato é imprescindível para que você tenha um nível de exatidão alto nessa resposta. Testes de VO2máx com análise dos gases expirados são hoje o padrão ouro para determinar estas faixas de consumo de carboidratos em gorduras de acordo com a intensidade do treino. Professores de Educação Física são os profissionais adequados para realizar essa análise, e este é um teste muito comum em assessorias esportivas hoje.
No entanto, nem todos os praticantes de atividades de endurance tem necessidade absoluta de realizar este tipo de teste. Vai depender muito dos seus objetivos dentro da modalidade que você pratica.
De qualquer forma, vamos exemplificar algumas situações para deixar este artigo um pouco mais prático:
Situação 1: treino com 70min de duração, com flutuação de intensidade variando acima e abaixo do limar de lactato.
- Cara, você vai precisar fazer um pré-treino caprichado no carboidrato para aguentar levar este treino até o final e provavelmente terá de realizar uma recarga de carboidratos durante o treino, seja em formato de gel, de isotônico, de frutas, ou qualquer coisa do tipo.
Situação 2: treino de 90min de duração, intensidade abaixo do limiar de lactato, apenas giro.
- No pré-treino a quantidade de carbo pode ser moderada, mas é importante que haja uma recarga de carboidratos durante o treino. Neste caso não é a intensidade que gera a demanda, mas o tempo de duração do treino. A partir de 1h e 30min, por mais que a utilização de carboidratos seja muito baixa, com o tempo sua glicemia pode cair e prejudicar seu desempenho principalmente na segunda metade.
Situação 3: treino de menos de 60min, de alta intensidade (próximo do VO2máx).
- Apenas a ingestão moderada de carboidratos no pré-treino já é suficiente. O tempo de treino é muito curto para que haja necessidade de repor o carboidrato durante a sua prática.
Situação 4: treinos longos em que se mantém a intensidade um pouco acima do limiar de lactato (intensidade mais utilizada em provas de longa duração)
- Este são os treinos característicos de simulação de uma situação real de prova. Neste caso, a utilização de carboidratos será consideravelmente alta. A quantidade de carboidrato a ser ingerida antes e durante o treino deve ser alta, porém mantendo a aceitabilidade do atleta para que não tenha desconfortos gastrointestinais.
Acredito que, se você pratica qualquer um dos esportes citados no inicio deste texto, 70% dos seus treinos se encaixam em alguma dessas situações. É claro que existem várias outras situações mais específicas do que as apresentadas, mas seria impossível abordar todas apenas em um artigo como este.
A mensagem que preciso que você leve depois de tudo o que leu até aqui é a seguinte:
A demanda de energia de um atleta é bastante individual e quanto maior o nível de treinamento, mais complexa fica essa brincadeira.
Caso você ainda esteja iniciando suas atividades ou já treine a bastante tempo mas não visa evoluir muito mais por agora, sua situação está um pouco mais fácil. Basta garantir um consumo moderado de carboidratos nas refeições do seu dia-a-dia e nunca deixar de realizar um pré-treino que contenha quantidades suficientes de carboidratos. Durante os treinos, somente será necessária a ingestão adicional de carboidratos quando a duração for muito longa (acima de 90min) com o único intuito de evitar que passe mal ao durante dos mesmos.
Mas caso você já está em um nível de treinamento avançado, é importante investigar dados mais precisos sobre a sua demanda de carboidratos e gorduras em situações específicas de treino (avaliações de performance espotiva) para por fim cruzar esses dados com sua planilha de treinos semanalmente e fazer as decisões mais eficientes. Neste cenário, um nutricionista é fundamental para que você reduza a chance de estar equivocado em suas escolhas.
Fontes de carboidratos que eu costumo trabalhar com meus pacientes:
- Pré-treino: Frutas, Tubérculos, Cereais (aveia, quinoa, arroz, pão, tapioca, cusucuz, etc), sucos, mel.
-Durante o treino/prova: purê de batata, isotônico, suco, gel de carboidratos, jujubas esportivas, rapaduras, bisnaguinhas, frutas secas.
É claro que, a cada paciente criativo que eu atendo, aprendo estratégias novas. O principal interessado em fazer adaptações mais agradáveis deve sempre ser o atleta.
Bom, eu verdadeiramente espero que este artigo tenha te trazido algum valor e que eu tenha ajudado você a tomar decisões melhores daqui para frente. Caso ainda tenha dúvidas sobre o tema, sigo a disposição para ajudá-lo.
Agradeço profundamente a sua atenção até aqui, e se você acredita que mais alguém pode ser ajudado por esse conteúdo, faça um grande favor enviando o link que está lá em cima para que ele tenha acesso.
Nos vemos nos próximos artigos.
Obrigado!

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